Em setembro 5 jovens morreram num acidente brutal na Lagoa Rodrigo de Freitas. A história foi parar nas capas dos jornais e revistas. O Brasil se comoveu. "Vamos mudar as leis de trânsito", gritava um. "Vamos controlar a entrada das boates", bradou o outro. "Vamos exigir policiamento nas ruas para evitar que outros acidentes assim aconteçam", aclamou o Brasil.
Duas semanas mais tarde alguma nova notícia, quentinha do forno, passou a ocupar as capas dos jornais. O assunto foi passado para os editoriais e depois, simplesmente sumiu até a retrospectiva de final de ano da Rede Globo e das tantas redes de TV e editoras de revista que vendem as notícias. Depois disso, caiu no esquecimento. Todas as pessoas que se sentiam tão íntimas da Ana Clara, do Felipe, do Ivan, da Manoela e da Joana, passaram a se lembrar remotamente sobre 5 jovens que morreram na Lagoa.
Em janeiro um menino é arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro e morre em meio à barbárie. Os jornais e as revistas voltam a estampar em suas capas as fotos sofridas dos pais e da família. Entrevistam pessoas pelas ruas, todas íntimas de João Hélio. A revolta é geral. "Vamos mudar as leis sobre a idade penal", grita um. "Vamos prender os bárbaros", brada o outro. "Vamos exigir o policiamento nas ruas para evitar que outras barbáries assim aconteçam", aclama o Brasil.
Mas aí vem o carnaval. O samba, a festa, as belas alegorias das escolas ocupam as primeiras páginas. E João Hélio já está nos editoriais.
A verdade é que todos nós somos medíocres. Sim, todos NÓS, eu inclusive. Em nossos cotidianos vemos todos os tipos de barbáries estapafúrdias e pensamos: "Quem sou eu para querer mudar isso? Que poder tenho eu para achar que as minhas exigências por um mundo melhor vão valer de alguma coisa?". E voltamos para a comodidade do nosso dia-a-dia, dentro de nossas casas confortáveis e cheias de coisas que compramos com o nosso suado dinheirinho. No trabalho, tantos de nós ficamos sabendo de tantas injustiças cometidas por aqueles que pagam nossos salários. Mas nos calamos porque temos medo de perder nosso rico e confortável salário se nos opormos ao que acontece à nossa volta. E, a noite, quando chegamos em casa, para que nossas cabeças não pesem sobre os nossos travesseiros com a culpa que sentimos, achamos uma forma de culpar qualquer outra pessoa.
"A culpa não é minha, é dos políticos que não fazem nada". E nos sentimos isentos de culpa porque "Não fui eu quem votei nesse homem, foi a massa da população ignorante". E novamente, isentos de culpa porque "A massa é a maioria e só a massa pode conseguir a mudança."
Esquecemos que a massa pode botar um político no poder, mas o que mantem esse político no poder é o dinheiro da minoria rica do país. Minoria essa que tem interesses nesses políticos podres. Sim... porque esses ricos tem poder.
A minha pergunta é: se todos os presidentes e CEOs de empresas de automóveis importados que se instalaram no país nos últimos anos se reunissem e apresentassem ao presidente da república (com letra minúscula mesmo, porque esse presidente que temos no poder não merece maiúsculas) um protesto formal, no qual declarassem que, caso não fossem tomadas atitudes contra a podridão na política brasileira, retirariam suas empresas do país, será que esses políticos podres continuariam no poder? Ou será que rapidamente não seria instaurada uma CPI de verdade, de gente séria, com conseqüências reais no país?
Mas nenhum empresário faria isso porque esses políticos podres são os mesmo que facilitam o funcionamento dessas empresas no país.
E se todas as empresas farmacêuticas boicotassem o governo brasileiro caso não regulamentassem a distribuição de remédios em postos médicos e declarassem que caso essa distribuição não fosse regulamentada retirariam suas empresas do país? Será que o governo não tomaria uma atitude contra a corrupção na saúde?
Mas que interesse têm as empresas farmacêuticas na saúde do povo? Não é a sua doença que alimenta os cofres dessas empresas?
E se todas as empresas multinacionais declarassem que retirariam suas empresas do país caso não fosse reformado, para valer, o sistema de educação pública no país, dando dignidade aos professores e segurança aos estudantes? Será que nosso caro presidente não repensaria esses projetos "tapa buraco" que vem implementando no Brasil?
E será que esses novos projetos, sérios e reais, não ajudariam a melhorar a situação dos menos abastados do nosso país?
E será que melhorando essa situação, não seria reduzida a criminalidade no país?
E será que a redução da criminalidade não diminuiria radicalmente de outro João Hélio ser barbaramente assassinato ao lado de um carro roubado?
Em uma coisa o presidente tem razão, reduzir a idade penal não reduziria o índice de criminalidade no país, apenas aumentaria a população carcerária. No entanto, o presidente parece não perceber que quando se fala nessa redução, não se está falando em prender o sub-humano que matou o João Hélio. Esta se falando em repensar os conceitos da infância nesse país para que novos sub-humanos não surjam para aterrorizar o país. Está se falando em mostrar aos nossos jovens que há outras formas além do crime e que a violência não é banal. Está se falando na valorização da vida.
Não, senhor presidente, realmente não devemos mudar as leis sob forte emoção. Sob forte emoção devemos mudar os valores do nosso país. Sob forte emoção devemos lembrar que os brasileiros estão jogados ao Deus dará.
E, quando eu for dormir essa noite não vou fazer desculpas para diminuir minha culpa. Vou lembrar que eu não posso me acomodar, que eu tenho que fazer algo, mesmo que seja algo que possa parecer insignificante.
Quando eu for dormir não vou lembrar da Mangueira na capa do jornal, vou lembrar da Ana Clara, do João Hélio, e de todos os outros que foram mortos pelo descaso dos nossos líderes pela vida daqueles que os colocaram no poder.
1 comment:
Nossa, isso sim deveria sair em algum jornal... vc escreve muito bem!!!!!!!!! E fala coisas q todos nós sabemos e q não temos coragem de admitir!!!!!!! Nossa.... palavras brilhantes!!!!!!!!
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